quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Cinque Terre (Corniglia) - Yim



(se não se importam deixo os trapos de lado por um post)

Este miúdo foi a pessoa mais especial que conheci. Começo por desconfiar disso pelos motivos mais fúteis. Dei-me conta que, entre o grupo de viajantes solitários que se juntou espontaneamente em Florença, o Yim goza duma enorme popularidade entre as raparigas. Sempre me senti fascinado por aqueles tipos que, sem terem necessariamente a tromba do Narciso ou a volumetria muscular do Adónis, quase me fazem acreditar que o amor, o jogo de sedução ou o mais tacanho dos engates se regem por uma espécie de meritocracia onde se safa melhor o mais interessante ou bem formado, mesmo quando não exibe necessariamente a largura de ideal entre ombros, os lábios mais carnudos ou o olhar mais vibrante.

O Yin foi-me apresentado como “Jim from Amesterdam” mas à primeira conversa direita que tenho com ele a minha presunção pseudo-sociológica assume que aquele gajo não pode descender de um emigrante asiático bem sucedido na Holanda. Pergunto-lho pelas suas origens e ele explica-mas com a naturalidade de quem passou uma vida inteira a fazê-lo. O Yim nasceu na Coreia do Sul e foi abandonado pela mãe num orfanato. Aos 3 meses é adoptado por um casal holandês que, 3 anos depois, decide a repetir a experiência com uma criança da Serra Leoa. “So it’s me and my black brother” conclui sorridente. Vem-me à lembrança uma amizade holandesa de olhos em bico que fiz em miúdo na praia da Calada e ocorre-me o pensamento saloio:
- That’s normal in Holland!
Ele ri-se, abana a cabeça, explica o quão pouco convencional consegue ser a sua família no bairro finório de Amesterdão onde vive e, com uma gargalhada apenas, deita por terra a minha concepção de admirável mundo novo holandês.

O Yin seguiu para Cinque Terre com o Mike. Apetece-me gozar mais um dia de Florença e prometo que me junto a eles no dia seguinte. Já achei mais graça às histórias sobre as acrobacias horizontais que o Mike protagonizou com metade das cheerleaders da sua equipa de futebol americano e declino delicadamente seguir com ele para Nice. No fundo fico feliz por ficar eu e o Yin. Quando se espera da amizade um sentimento de partilha e compreensão mútua que a idade torna casa vez mais rara, fico contente por, mesmo com a leve barreira linguística de permeio, me sentir capaz de reviver tais partilhas. Passamos as noites a trocar os cromos das nossas sortes enquanto partilhamos uma garrafa de branco, ouvimos os grilos e balançamos as pernas sobre o mar, sentados na torre da minúscula Corniglia. E é aí mesmo que na ultima noite, meio vindo do nada, o Yim me conta que perdeu o pai faz dois meses. Penso nas 1001 perguntas que lhe fiz sobre a família e toda a curiosidade parola que demonstrei pelo seu suposto exotismo. Numa viagem onde toda a gente me conta a sua vida pessoal, sexual e afectiva após 10 minutos de conversa este gajo precisou de quase uma semana para me contar aquilo que lhe devia tomar o pensamento em todos os momentos que o apanhei a cismar. E sabem que mais...os Clã que me desculpem mas os versos "A língua inglesa fica sempre bem E nunca atraiçoa ninguém" não se adequam aqui. Falar inglês não me ajuda e acabo por experimentar o meu maior problema de expressão. No dia seguinte despedimo-nos entre o bulício da estação de Milano Centrale. Olho para trás e sinto um misto de tristeza e remorso por não ter pousado a mochila antes de o abraçar

42 comentários:

Sancha Trindade disse...

Zé adorei este post, e não foi por ter vivido em Amesterdão três anos...

Armazém de Ideias Ilimitada disse...

Não é por hoje estar particularmente sensível, que acabei com lágrimas nos olhos depois de ler este post, é porque à minha sensibilidade juntaram-se a sensibilidade das tuas palavras. Que que creio eu, serem o reflexo das tuas próprias sensações. És intenso!

Xana

TTC disse...

De um blog de tendências que variam (ou não) consoante a futilidade de cada um, vi hoje nascer um dos textos mais bonitos sobre amizade que já tive o privilégio de ler.

Como já disse no post anterior, já estive na Cinque Terre, e as tuas palavras foram tão palpáveis que me transportaram para o vosso lado, nessa quente noite de Verão.

É bonito quando alguém consegue mostrar as genuínas emoções que, por vezes, nos acercam.

Anónimo disse...

e o alfaiate sempre a surpreender... obrigado por partilhares as tuas emoções, emocionam quem te lê... beijo bom

Diana disse...

O chegar e o partir...a mística das viagens...a força do efémero que é eterno...que nos move. Só para deixar mais uma marca das tuas viagens (e das minhas) que já lá vai!!

Anamar disse...

O melhor abraço que poderias ter dado ao Yin foi a empatia e companheirismo desinteressado, que lhe dedicaste!
Lindo este texto, denuncia a pessoa que és! :)

f. disse...

Essa viagem e os seus relatos continuam fantásticos. É impressionante como o ser humano, por vezes, consegue criar uma empatia maior com quem acobou de conhecer do que com alguém que se conhece há anos.
Continuação de boa viagem.

Sairaf disse...

Sinto-te mais sensível, com um misto de emoções a fervilhar dentro de ti.
Demostrar aos outros o quanto essas pessoas nos "tocam", nem sempre é fácil.

Continuação de boa viagem.

O que torna uma pessoa sábia, é a conquista pelo desconhecido, de onde provêm as maiores lições de vida.

Com um enorme sorriso :)
Sairaf.

Anónimo disse...

Este é sem dúvida o melhor texto do blog até agora! Venham mais histórias como esta!:) Abraço André B

Fábio disse...

É por isto que gosto cada vez mais do blog... uma grande abraço... com ou sem mochila!

Maria Kally disse...

Fantástico :)

Catarina disse...

Muito bom, mesmo!!
Bjs
Catarina

Anónimo disse...

Um bom texto, ou um bom livro, é aquele que nos faz mergulhar na história… (imaginamos a textura, a cor, o formato das descrições, ou até surgem sentimentos de paixão, raiva ou amizade pelas personagens… ficamos com vontade de rir ou chorar).
Hoje ao ler o teu texto fiquei, também, cheia de vontade de abraçar o Yin…

Boa Zé!
Beijinhos!
V.

Pi disse...

Que corações lindos que moram nesse relato. Emocionante.

Drª taberneira disse...

Bom de ler.

CaveMan disse...

Este blog está cada vez melhor e, se me é permitida a ousadia, acho que, a continuar assim, merece que as suas imagens e textos sejam publicados no formato mais tradicional: o livro! Parabéns, mais uma vez...

Lia Santiago disse...

Lindo texto, belíssima foto.
Obrigda.

little miss chanel disse...

por posts destes, vale bem a pena "deixar os trapos de lado" :) parabéns, que texto fantástico!

zira disse...

Excelente post.. um hino à amizade, descrito por quem tem uma sensibilidade "a flor da pele".

CF disse...

Como já tive oportunidade de te dizer...acho que este é sem dúvida dos melhores posts (ou até mesmo o melhor) do blog...há coisas que ultrapassam tendências, modas e/ou estilos e que se retiram da beleza de um simples olhar...

Anónimo disse...

li e amei :)

m

Anónimo disse...

A lágrima escorregou. És fantástico!

Angie

maria do mar disse...

sou completamente apaixonada pelo teu blogue. venho aqui todos os dias para conhecer mais uma história tão bem descrita. obrigada.

Alexandra disse...

Por mais eloquência que possa existir, são a genuidade e a sinceridade que tornam a escrita numa boa escrita.

A foto também está muito bonita. Inspira tranquilidade.

Parabéns.

Miss Complicações disse...

Simplesmente.. delicioso.
Palavrs para quê?

eduardo b. disse...

Que belíssimo texto.

R* disse...

Adorei... é engraçado como acabamos por conhecer melhor e até simpatizarmos com as pessoas sem as conhecermos, só através de palavras ou expressões. Tu pareces me uma óptima pessoa. Aliás só alguém de bom coração escreveria assim um texto:)
A amizade é a melhor coisa que podemos encontrar e oferecer a alguém, porque com ela acabas por oferecer também um pouco do teu amor.
Bons momentos:)

Maria Pena disse...

Cada vez gosto mais deste blog, é incrivel! Todos os dias cá venho pelo menos duas vezes, sempre na esperança de que, magicamente, tenhas decidido colocar mais que um post. As fotografias são fantásticas e os textos são ainda melhores!

(n)Ana disse...

Tenho aprendido e comprovado através da experiência e (con)vivência, talvez da pior das formas (ou melhor/mais eficaz, dependendo do prisma de onde se vê) o velho ditado: "quem vê caras, não vê corações"...
Aqui é "Quem lê palavras não vê corações".
Mesmo com toda a mudança que uma viagem destas opera certamente em ti, quero acreditar que sejas como pareces através do que escreves, no entanto confesso tentar cada vez mais abstraír-me e aproveitar somente a leitura e as palavras.
Parece-me inútil comentar que sejas assim ou assado. Nem creio que seja esse o propósito do blog, apesar de todos (ou talvez todas...) PARECEREM confessar que há curiosidade em conhecer o homem por trás do Alfaiate.
Não sei como és, se és sensível, honesto, leal ou sincero como o teu blog te faz (trans)parecer. Ilusão ou não.
Desconfio sempre e cada vez mais.
Contudo, gosto muito da forma como escreves. E é mesmo só isso que importa. Isso e as fotos. :o)

PS - Vais trazer uma máquina nova das férias. Daqui a uns tempos poderás dizer:
"Esta máquina fui de propósito comprar a Génova no verão de 2009..."

Quem Não Tem Cão disse...

Ha momentos que ficam registados para sempre nas nossas memorias...Viver é preciso!

calvino disse...

Se algum dia escreveres um livro, estarei na primeira fila no dia da apresentação para que mo assines. E farei questão de pousar a mochila para te dar aquele abraço.

M.

Ana disse...

Adorei, valeu a pena esquecer os trapos, por esta história.
Visito à pouco tempo o seu blog, mas já pensou escrever um livro com fotos e relatos das suas viagens? As pessoas (e as suas histórias de vida) que conhecemos nas viagens são as melhores coisas que trazemos delas.
Pense nisso.
Bjnhs

A. disse...

BRUTAL!
AC

Vespinha disse...

E agora? Deixaste-me sem palavras...

AR disse...

Arrepiante! Parabéns pelo excelente Blog!

Sofia Mello disse...

Maravilhoso

DMG disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
DG disse...

Adorava escrever assim... de forma tão clara. É díficil expressar sentimento assim, de uma forma tão pura. Parabéns!
Vou passar a seguir o Alfaiate...
Abç
DG

Anónimo disse...

Realmente adoro este blogue!
Primeiro a desconfiança (ora, mais um blogue sobre pessoas e street style)e depois a confirmação de que nao era apenas mais um.
É como a boa arte, ou se ama ou se odeia...ou se aprende a amar, sem meio termo.

Nogueirajcs disse...

Pois... se o arrependimento matasse...

É por isso que não devemos deixar de fazer algo que mais tarde nos podemos arrepender de ... não ter feito...

Anónimo disse...

um livro é o k devias escrever ;)

Anónimo disse...

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