O Valentim é um gajo tramado. Deixa uns felizes e outros nostálgicos. Ainda há dias me bateu uma certa melancolia por não ter que fazer qualquer telefonema antes de marcar férias. Não ter que dar satisfações faz muito o meu género mas confesso que senti falta da obrigatoriedade de, antes de perguntar aos meus colegas quando as iriam gozar, fazer a tal chamada à tal pessoa para tentar elaborar um plano A, B e C de calendarização de viagens, momentos divertidos num destino desconhecido e sexo num quarto de hotel.
A rondar os 30 metade dos meus amigos tenta perceber se preferia ter passado a noite de ontem a tentar transmitir o quanto se gosta de alguém a esse mesmo alguém, se a dosear álcool e charme na festa de solteiros que organizámos. Metade dos meus amigos não sabe se preferia passar os fins-de-semana numa doce e repetitiva calmaria se a tentar dormir com a metade da cidade com que ainda não se deitou. Esta treta do mundo globalizado é muito engraçada mas o conceito de “estar ligado” a toda a hora e a todo o mundo pode tornar-se um bocado assustador quando se fala de amor. Temos 1001 solicitações, 1001 hipóteses e 1001 alternativas e isso faz com que a condição de solteiro se torne num admirável mundo novo de oportunidades engraçadas, festas exóticas e experiências sexuais inauditas. É claro que é precisamente a existência desse custo de oportunidade que mais valor dá ao momento em que decidimos escolher alguém para ficar ao nosso lado, e soar-me-á sempre um tanto ou quanto dúbio, nos dias que correm, que alguém se queixe de não ter tido oportunidade de conhecer o mundo (e quem o povoa) em dose suficiente para que tivesse podido fazer a sua escolha acertada. No outro dia um amigo falava-me na sua nova namorada e o meu primeiro reflexo foi – enquanto metade do meu cérebro gritava à outra “
até tu Brutus?” – perguntar se tinha Facebook. Quando me respondeu que não, achei que era uma das melhores qualidades que se podia encontrar numa namorada – não ter Facebook – nem que fosse para evitar um dia, quando tudo acabar, darmos por nós a fazer a triste figura de entrar na sua página e tentar perceber quantas pessoas mais interessantes que nós (entenda-se, com uma fotografia de perfil mais apelativa que a nossa) já adicionou depois de nos dar com os pés.
Os trinta parecem ter o seu encanto. A linha abdominal ainda se confunde com a daqueles miúdos giros que, mais semana menos semana, começam a povoar as praias da Linha e as áreas de cabelo esbranquiçado que aparecem sem avisar parecem conferir-nos algum charme. Sabemos mais, vivemos mais mas nada me assegura – e isto, confesso, já me assusta – que daqui a dez anos não nos estejamos a tentar vender o mesmíssimo discurso em frente ao mesmo espelho, enquanto apreciamos a mesma linha abdominal mais dilatada e nos concentramos, não na mesma descoloração do cabelo, mas na sua inexistência. E aí recordo com receio, o discurso de um antigo colega meu, solteirão eterno, que me conseguia perturbar com o seu orgulho macabro no número de mulheres casadas que dizia já ter comido. A mesma perturbação que senti no outro dia, no
buffet de Serralves, por culpa duma linda quarentona que lá estava sentada. O olhar daquela senhora tão distinta fazia-me sentir também distinto e, imagino, que o meu olhar de miúdo a fizesse sentir mais viva. Dizia-me uma amiga que tudo isto é normal e que o importante, como tudo na vida, é traçar os limites e encontrar um equilíbrio. A mim nada disto me parece tão claro e imagino esse equilíbrio tão
Yin-yang a resvalar, de um momento para o outro, para um malabarismo circense ou mesmo, se me permitem a badalhoquice, para uma casa de banho pública. Só sei que momentos depois, quando chegaram marido e filhos e aquele homem se apercebeu do que interrompia, me limitei a baixar a cara, mais por vergonha que por receio de apanhar um murro bem dado. O mesmo murro que me esforçaria por conter se fosse dar com um puto, com pelos na cara mas imberbe de espírito, entretido a revitalizar o
sex appeal da minha mulher.
O Miguel Esteves Cardoso escreveu um dia que “
O amor é fodido” e eu deduzo que não o tenha feito apenas para conseguir vender exemplares a miúdas de 15 anos como aquela de quem eu gostava quando o livro saiu. Sou o primeiro a plagiá-lo mas não foi isso que senti a semana passada quando fui visitar o amigo que me traduzia os textos para a versão inglesa do blogue. Ia decidido a recorrer a tudo para o convencer a voltar a fazê-lo mas quando lá cheguei, deparei-me com 15 meses de vida e um sorriso desdentado a correr desajeitadamente para os braços dele. E naquele momento senti-me ridículo. Senti-me ridículo por me ter passado pela cabeça fazê-lo gastar tempo da sua paternidade com a porcaria dos meus textos. Andámos juntos na escola, partilhámos carteiras e fizemos os mesmos trocadilhos irritantes que esgotavam a paciência à nossa professora de Inglês. Quando foi viver com a namorada ainda eu nem sabia bem o que era ter uma e no dia do seu casamento ocorreu-me, antes de mais nada, toda a liberdade que estava a pôr de lado. Mas hoje, as contas que faço são outras e, para ser completamente franco, invejo-o em parte. E neste ponto recordo-me de um outro amigo e do que ele me contou um dia. Um dia, um outro dia, quando uma namorada sua deixou cair o corpo nu por cima do dele e lhe disse ao ouvido, num tom tão terno que ele só julgava existir na voz da sua mãe:
- Foi tão bom Zé.
E naquele momento, mais que o orgasmo, ele achou que ela lhe agradecia tudo o resto: o companheirismo, a ternura, a protecção, as vezes que sorriu pelo sorriso dela, as vezes que chorou com as lágrimas dela e por tudo o resto que nunca teve que fazer mas que ela sabia que ele estaria disposto. É claro que Zés há muitos e amigos imaginários também mas todos sabemos que seja na minha, na vossa vida ou na do meu amigo imaginário são momentos como este que perduram. Mais que engates, noites loucas ou admiráveis histórias para contar em jantares de mancebos.
Mais até que as cenas cortadas da vida que não se expõem num blogue. Mas é o que eu vos digo, o Valentim é um gajo fodido