Não são apenas os conceitos que se demonstram mutáveis e dinâmicos. A visão que deles temos também. E a minha perspectiva sobre o casaco desportivo é hoje bem diferente daquela que tinha há meia dúzia de anos atrás. Olhei em tempos para ele como um barroquismo supérfluo de quem o vestia. Como o tipo que adiantava parte do conjunto de segunda-feira para a tarde de Domingo ou então, pior ainda, que o antecipava para as noites de sexta ou de Sábado. Mas aquilo que vestimos não é apenas um exercício livre sobre como cobrir a pele. A nossa indumentária carrega consigo um conjunto de signos e símbolos que, goste-se muito ou pouco, serve de plataforma de comunicação com quem nos cruzamos. É aquilo que à luz de
Durkheim se apelidam de "
factos sociais". Algo exterior ao indivíduo que se lhe impõe. Como uma norma colectiva que se lhe aplica independentemente da sua vontade. Quando uma marca concebe uma peça de vestuário não está apenas a proporcionar uma visão bonita a um potencial cliente. Vende-lhe uma imagem e um conceito e, por vezes, um sonho também. E a partido do momento em que compramos esse artigo, estamos a consumir o conceito, a imagem, o sonho e o que quer que seja que aquela peça incorpore. E isto tanto é válido para o vestuário como para a dermo-cosmética, tão certo para o mercado automóvel como para a restauração. Porque o que está em causa não é apenas o trapo que nos cobre ou o serviço que nos prestam mas também o ponto para onde estes nos transportam. O cartão de crédito platinado a condizer com uma tarde de compras na
Seventh Avenue ou um restaurante em
Mayfair, um creme de beleza de uma marca
premium que não poderia estar sedeada noutra cidade do mundo que não em Paris, um descapotável a percorrer os mesmo
Corniches onde a Grace Kelly filmou e morreu ou um casaco de Algodão a evocar a Marina de Portofino.
Num destes fins-de-semana eu e mais dois amigos saímos à noite no meu carro e quando parámos num semáforo junto a um outro cheio de miúdas um deles disse “
quando vamos no carro do Zé as gajas nunca olham”. O terceiro lembrou que o carro desportivo dum quarto amigo que ali não estava era o maior de todos os chamarizes mas o mesmo amigo que destituiu o meu velho Fiat de qualquer capacidade afrodisíaca respondeu sabiamente:
- Não, o melhor para as gajas da nossa idade é a minha carrinha. Passa a imagem do gajo que quer assentar e constituir família.
Eu podia escrevinhar parágrafos inteiros a desperdiçar o tempo de quem aqui vem mas dificilmente conseguiria expressar a ideia tão bem quanto o João. Os conceitos e a visão que deles temos mudam tanto quanto o tempo nos transforma em frente ao espelho. Ontem um
blazer far-me-ia sentir parolo e encontrava (como ainda vou encontrando) o patamar máximo dos encantos numa
t-shirt decotada. Hoje, o tom coloquial com que trato a peça que dá o nome a este
post, faz-me sentir mais senhoril e sofisticado. Posso juntar-lhe umas botas de sola de pneu dignas do mais suado ambiente rural, o toque juvenil dumas bainhas arregaçadas ou uma barba ranhosa demais para ser considerada aceitável por qualquer publicação masculina mas a verdade é esta; perante uma presença feminina ele (o casaco) faz-me sentir, não necessariamente mais velho (que esse predicado em si mesmo todos recusamos gentilmente), mas talvez mais sábio, interessante e charmoso ou qualquer outro atributo valorizado socialmente e geralmente associado a homens mais velhos que eu. E a sonhar todos temos direito. Não tenho 30 segundos de pachorra para a imprensa que me impinge constantemente os estilos e consumos de vida daqueles que têm extractos bancários incomparavelmente superiores aos meus mas eu próprio, embora feliz na minha mediania social, porque raio não terei direito de vestir um dia algo que me faça sentir na pele de um qualquer italiano ricaço? Fará da minha alma mais frívola que a dos demais? Já cantarolava o Jorge Palma: “
Na terra dos sonhos podes ser quem tu és ninguém te leva a mal. Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual.” E esteticamente falando, neste momento preciso, a minha visão encantada da vida mete uma mesa em frente a uma corrente de água, fluvial ou salgada, com os tornozelos despidos e uma brisa de fim de tarde que se torna precisamente agradável, com o tal casaco desportivo vestido. E lá está, essa imagem descontraída mas sofisticada (de onde julgam que vem o mais que batido “casual sofisticado”?) lembra-me um argentino bem parecido em casa de quem passei uma noite no
septième arrondissement que me exclamava “
Pues mira (R)osé!”. E lá estava ele em frente ao espelho em plena preparação para uma incursão noctívaga com propósitos sociais muito bem delineados, a ajeitar um lindo casaco de linho e a repetir-se a si próprio como se convencendo da sua própria lengalenga:
-
Joder tío… ahora sí, estás listo para ligar. Joder tío…ahora sí