sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Carne da minha carne sangue do meu sangue

186 - Carne da minha carne sangue do meu sangue

A canadiana que a avó lhe deu. Era essa a desculpa. Não fosse essa seria outra qualquer. Desde que comecei o Alfaiate que andava com ganas de a fotografar. Mas como o entusiasmo parecia estar todo do meu lado não insisti muito. Chamei-a de longe. Ela olhou e eu disparei. Acho que não gostou muito de se ver. Azar, essa preocupação tenho-a com os outros. A ela compenso-a doutra forma. A fotografia vinca-lhe o ar de miúda, exibe-a precisamente da forma que a vejo e, como é tradição nestas coisas, da forma como provavelmente a vou ver sempre. A diferença de idades foi suficiente para que, muito naturalmente, o sentimento fraterno tenha dado lugar a um paternalismo morno que se foi contorcendo sempre para se exprimir de forma saudável e civilizada. Acho que não me saí mal até agora, brindei sempre com sorrisos afáveis os seus amigos rapazes.

 

Acho que começou tudo com as fraldas. Tinha oito anos quando lhas mudei pela primeira vez. Foi assim que encarei uma dura realidade que não queria reconhecer – as mulheres também cagam e as mais bonitas não são excepção. Alguma coisa haveriam elas de ir fazer à casa de banho mas no que a isso diz respeito, sempre achei que a aplicabilidade da dúvida metódica do Descartes era de todo conveniente. Não vejo nem cheiro, porque raio hei-de ter de acreditar? (não caralho, não vos estou a tentar convencer de que lia Descartes com oito anos, estava apenas a tentar ser engraçado)

 

Tenho um lado da família mais unido, outro menos. Há familiares dos quais gosto mais, outros com quem nem sequer simpatizo. Nunca dei grande importância aos laços de sangue, não os escolhi e nem sempre me esforço por gramá-los. Com ela é diferente. Enfim…suponho que com ela seja tudo diferente. Nunca fui pai e não me parece que esse dia esteja para perto mas desde que ela nasceu que lhe sinto o cheiro. É carne da minha carne e sangue do meu sangue. E quando recorro àquele exercício infantil de tentar perceber o quanto se gosta do que quer que seja através daquilo que se está disposto a fazer por o que quer que fosse, dou por mim a pensar no motivo pelo qual seria capaz de matar e, ocorre-me um de imediato - ela.

 

Às vezes vivemos com as pessoas mas não as conhecemos a fundo. Aposto que metade dos nossos problemas relacionais vêm daí. É a atenção. (e o toque, não sentem falta do toque? foda-se, não menosprezem nunca a importância do toque) A atenção que damos aos outros. Ou a falta dela. E eu, mesmo amando-a da forma que amo, devo ter-lhe perdido algures o rasto da atenção (o toque nunca, afagá-la foi sempre o meu desporto favorito). Só o posso ter perdido porque houve um dia que uma circunstância inusitada nos deixou sós num final de tarde de praia. (podemos até lá passar o dia inteiro mas os melhores momentos hão-de suceder-se sempre ao final do dia, não é?) E falámos. Sobre o amor, a vida, os sentimentos, os pais, tragédias familiares e outras coisas mais. E nesse dia juro-vos, senti uma coisa no peito. Não é nenhum daqueles recursos estilísticos apaneleirados. Senti mesmo. A minha irmã, com quem partilhei o beliche onde ainda durmo; a minha irmã, que se mudou para um quarto onde nunca entrei sem bater; a minha irmã, que me deixou com náuseas quando me comunicaram a sua primeira menstruação; a minha irmã tinha-se tornado numa mulher deliciosa. Ouvia-a falar do pai, da mãe, do pai com a mãe, da mãe com o pai, da avó, da filha que não fala à avó, do avô que nunca conhecemos, do acidente, das tias, da morte das tias, de amor, de pequenas sensibilidades e de todas essas merdas que nos causam apertos no peito. Ouvi e emocionei-me. É verdade, sou um bocado maricóide nestas merdas mas não tenho por hábito andar por aí a choramingar. Mas naquele dia não aguentei. Não dava para aguentar. Ela viu as lágrimas e passou-me a mão - a palma, não as costas - pela cara, cerrando-me os olhos com a ponta dos dedos como se, naquele momento, fosse ela quem protegesse e tomasse conta do seu irmão vulnerável, oito anos mais velho.

 

A canadiana que a avó lhe deu. Era essa a desculpa. Não fosse essa seria outra qualquer. Porque eu não preciso de desculpas para falar da minha irmã. Por algum motivo é a primeira vez que me emociono a escrever um post. Por algum motivo, antes mesmo de me sentar aqui, já sabia que isto ia acabar assim. Esta merda não se explica. Nem tem que se explicar. É mesmo assim. E juro-vos, eu já sabia. Já sabia que ia acabar assim


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

His name is Boateng. Nana Boateng

Nana Boateng (1)
Nana Boateng (2)

Só percebi o nome quando mo escreveu num papel. Isso e o link para o seu trabalho. O mesmo que, segundo se apressou a contar-me, o levou a ser fotografado pelo Scott Schuman. Não lhe censuro o orgulho.

Vim a Londres ter com um amigo. As fotografias, ou melhor, aqueles que fotografo, vão aparecendo naturalmente. Mas o Nana Boateng não é alguém que simplesmente nos apareça à frente. O Nana Boateng é um tipo que, depois de o fotografarmos, nos deixa na necessidade de contar a cada amigo que encontramos "não estás bem a ver o gajo que fotografei hoje". Eu sei que nem sequer vos conheço mas acreditem, mal podia esperar por chegar aqui e contar-vos:
- Vejam lá o gajo que fotografei hoje

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Soho - Timothy and his bag

Soho - Timothy and his bag

A primeira coisa que nos ocorre numa fotografia de alguém que traz consigo um saco é usá-lo a tira-colo. A ideia de o pousar à sua frente foi do Tim. E ainda bem que foi o Tim a decidir porque eu não o teria feito melhor. Mas o bom desta foto não é o saco, o casaco a fazer lembrar aquelas camisolas dos pescadores da Ericeira e da Nazaré ou o trench coat que até parecia mal não ter fotografado em Londres. Esta fotografia é toda ela Tim. Por isso é que é boa. Vou regressar a Londres em finais de Janeiro. Se depender de mim, vai haver mais

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

London: 16, Savile Row, W1S 3PL - Alfaiates a sério

London: 16, Savile Row, W1S 3PL - Alfaiates a sério

Foi à meia-luz dum restaurante italiano no Bairro Alto que contei pela primeira vez aos meus amigos que ia começar o Alfaiate. Um riu-se de mim, outro perguntou-me (franzindo a testa ao máximo) porque raio haveria alguém querer fazer isso, um terceiro chamou-me panasca e os outros dois ou três acharam que ignorar-me era a melhor forma de me fazer perceber a quão estúpida era a minha ideia. Consensos havia apenas dois: ideia parva, nome giro.

Fazia uma semana que, à custa deste mesmo feriado de hoje, tinha ido passar um fim-de-semana alongado ao Porto. Numa das tardes, um ficou a dormir e dois de nós seguimos para Serralves. O meu amigo lembrou-se de combinar encontrar-se, num dos recantos que por lá existem, com uma miúda que tinha conhecido na noite anterior na pista de dança do Indústria ou do Twins. Visitei a exposição, dei uma volta pelos jardins e, já um bocado farto, segui para a livraria. Foi lá que encontrei O Gentleman do Bernhard Roetzel.

Eu não compro fatos por medida. Para o fazer, teria provavelmente que abdicar de um ou outro fim-de-semana fora ou duma bebedeira ocasional que me parecem mais importantes para a minha felicidade que a mais-valia existente entre trazer um fato com as minhas medidas gravadas no corte que dirigir-me à loja do costume (da qual tanto gosto), escolher um padrão e pedir ao Sr. Horácio ou ao Sr. João que me marquem as bainhas e subam as mangas. Não ligo muito a marcas e nem as conheço para além daquelas que toda a gente conhece, não comprei uma única publicação de moda em toda a minha vida antes desta que vos aconselho a dar uma olhada (que é mais um manual de bons costumes que outra coisa) e, resumindo, sou tão entendido na matéria quanto o meu trisavô. Por estas e por outras é talvez um bocado presunçoso ter-me lembrado deste nome para o blogue. Mas soou-me bem e achei que fazia dose suficiente de sentido para o levar adiante. Savile Row é precisamente a (mais conhecida) rua dos alfaiates londrinos. Nunca teria ouvido falar nesta morada se não tivesse folheado O Gentleman mas a proximidade era demais para que não passasse por lá. Quando entrei na Norton & Sons fiz a figura de tanso que qualquer tipo habituado a um pronto-a-vestir faria. Estava ali apenas o Patrick e meia dúzia de catálogos de tecidos. Mais nada. Nem uma gravata, um cinto, ou a porcaria dum lenço que eu pudesse ao menos fingir que, efectivamente, poderia vir a comprar. Apenas eu, 1001 padrões diferentes irrepreensivelmente catalogados e uma alfaiataria inteira pronta para me fazer um fato. Lamento Patrick, vai ter que ficar para a próxima. Mas já que aqui entrei, vai uma foto?

p.s. – o amigo que me chamou panasca vem aqui todos os dias

domingo, 6 de dezembro de 2009