Conheci a Sara
aqui. Por regra as pessoas escrevem-me, seja a dar um
feedback ou a pedir uma foto. E quando ando por fora isso parece acontecer ainda com mais frequência e rapidez. Talvez por lhes despertar mais curiosidade, lhes parecer mais exótico ou, quem sabe, por receio de chegarem a casa e encontrarem um
link desalinhado ou desprovido de sentido Não foi o caso, a Sara não escreveu. Não fiquei a pensar no assunto mas talvez, quem sabe, se me perguntassem “
Zé, da tua última passagem por Milão houve alguém com quem o contacto gostarias de ter ficado e te tivesse escapado?”. E aí talvez eu respondesse “
A Sara.. provavelmente a Sara”. Ninguém perguntou nem eu respondi e, confesso, tal questão não me cativou o sono. A verdade é que nos (re)encontrámos virtualmente, pela casualidade mais pura, dias antes de regressar a Milão. Deu-me o seu número e, fez questão de o deixar bem claro, a indicação clara para o utilizar quando por lá estivesse. Mas perdi-o. E foi neste misto de (minha) alegria e (sua) indignação que nos encontrámos de novo (pelo mais absoluto dos acasos) numa esplanada em Brera. Juntei-me a ela e à amiga e ficámos apalavrados para jantar. E assim foi. Fui ter com a Sara e uns amigos à Tratoria Toscana em pleno Corso di Porta Ticinese. E aí, claro está, foram-me apresentadas muitas pessoas das quais, no dia seguinte, já teria dificuldade em lembrar de quem eram ao certo, de onde vinham e que raio ali faziam. Mas houve, para além da Sara, alguém que me fascinou por completo. O Alejandro (que ao contrario do que pele, cabelo e olhos claros poderiam sugerir) é mexicano. Partilhou a casa com a Sara em tempos e, a dada altura dessa noite, comecei também eu a sentir que tinha partilhado com eles casa um dia beneficiando, ainda mais do que qualquer simpatia extrema que nutrissem por mim, daquela confiança desmesurada que nos inspiram aqueles de quem gostamos instintivamente mas sabemos que, dentro em breve, voltarão seu lugar a alguns milhares de quilómetros de distância, levando consigo todas as confidências que lhes achámos por bem fazer. E por isso fiquei a saber detalhes sobre o namorado da Sara e sobre os amores e flirts que o Alejandro já teve. Mas quando conheci o Alejandro não o assimilei no redutora acepção de um “
mexicano gay”. Porque o Alejandro não era gay no sentido estrito do homem que se deita com homem. O Alejandro era gay em toda a sua plenitude. No mesmo sentido que aprendi nas aulas de francês do meu 7º ano. Porque não foi esse estrito significado que a minha professora me ensinou. Foi o de alguém sorridente e jovial. Alguém capaz de passar a sua alegria a todos aqueles a quem consegue chegar. Alguém de quem o significado inicial da palavra já nos parecemos todos ter esquecido. E quando me lembrei desse tal significado encontrei uma pessoa alegre em todos aqueles com que me cruzei nessa noite, em todos aqueles que me falaram, sorriram ou tocaram. Em todos aqueles que me receberam, quiseram saber quem eu era, de onde vinha e para onde ia. Porque como escreveu um dia alguém numa das caixas de comentários deste blog “
a verdadeira liberdade não é a de se dizer que se gosta de homens ou mulheres, mas a liberdade de se gostar de ambos e se ser inteiramente feliz, sem dicotomias e sem necessidade de nos definirmos como hetero, homo ou lésbicas”. E este comentário (ou o receio por ele) transportou-me para uma crónica que o José António Saraiva escreveu um dia em que parecia temer pelo esbatimento das diferenças de género como se, a revolução de costumes nos conduzisse incontornavelmente para uma condição de andróginos. Não o censuro nem estranho, tivesse eu mais trinta anos e estou certo que tudo isto soar-me-ia tremendamente bizarro. Até porque, para ser completamente sincero, tenho para mim o mais dicotomizado dos mundos entre machos e fêmeas, entre seres rudes e brutos e entes frágeis e doces. Porque entre o meu grupo de amigos basta bebermos um copo para, usando e abusando do vocativo, nos tratarmos todos por “
machos”, agarrando uns nos outros com brutalidade, como quem prova ao seu comparsa os elevados níveis de testosterona que tem disponíveis para brindar a mais delicada das fêmeas. Porque sem este mundo dicotomizado não tenho sequer tesão. Mas esse mundo não se sobrepõe ao outro, o humano. E nesse outro apaixono-me, não por mulheres mas, tal qual sugeriu o anónimo das 23:53 do dia 18 de Julho, por pessoas. Pelos meus familiares mais próximos, pelos meus amigos mais queridos e por alguns daqueles que se cruzam comigo sem que tenha tempo de os puxar para junto de mim. E nessa noite, apaixonei-me, para além da Sara, pelo Alejandro também. Bem mais do que pela silhueta feminina com quem haveria de me deitar mais tarde. Porque essa paixão é bem mais importante do que a espiral de líbido desenhada pela minha tesão. Porque esta última, não faz de mim muito diferente de um cão com cio. Porque na manhã seguinte, quando saí daquele apartamento bem decorado e rabisquei o bilhete que em miúdo vi escreverem tantas vezes nos filmes, não era a sua destinatária que levava na cabeça, mas a Sara e o Alejandro. E foi por isso que ontem escrevi ao Alejandro e lhe perguntei se podia escrever também sobre ele. Pelo mesmo motivo que ele me respondeu de volta dizendo que tinha sido a coisa mais lisonjeira que lhe podia ter perguntado. Pelo mesmíssimo motivo que, quando ouvi a Sara dizer que queria tirar umas fotos para começar um
blog com uma amiga lhe lembrei “
estou ainda por cá amanhã, liga-me quando acordares, fazemos isso num instante”. E fizemos. E agora que está feito, se a Sara me voltasse a perguntar (tal qual o fez naquela esplanada da Corso Garibaldi onde tropeçámos um no outro) “
what´s your favourite photo?” eu, muito provavelmente, ter-lhe ia respondido: