sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Terrugem - Sr. Fernando Teixeira Sousa

Terrugem - Sr. Fernando Teixeira Sousa

Tenho boa memória. Não é comum esquecer-me de aniversários e, há informação que retenho na cabeça, que nunca me irá servir de nada. Ainda no outro dia caí no erro (e no embaraço) de corrigir um cliente enquanto tentava trautear o nome completo da sua própria mulher. Acho que ainda hoje, com um pequeno esforço mental, me conseguiria lembrar de todas as datas em que iniciei namoros. Mesmo daquele com a que já se casou, com a que tem casamento marcado ou com a outra que ainda hoje deve cumprir a jura de não me tornar a dirigir palavra. Não me ficava mal dizer-vos que também me lembro do que traziam elas vestido mas no dia que vos quiser mentir, arranjarei melhores pretextos. Basicamente...acho graça a efemérides. A todas elas, sem excepção.

A minha directora tinha-me ligado na sexta à tarde “Cabral, segunda-feira é o seu primeiro dia na Terrugem”. Da localidade, só me lembrava que ficava a caminho da Ericeira e, não fosse eu enganar-me, ainda me dei ao trabalho de lá ir de véspera. Vou-vos ser sincero, trabalhar na Terrugem causa-me constrangimentos a toda a hora: cativa-me parte da vida pessoal e faz-me adiar resoluções importantes. Fez ontem dois anos que lá estou. Neste período de tempo devo ter almoçado umas míseras 3 ou 4 vezes com amigos que não trabalhem no Grupo Banco Espírito Santo, chegado atrasado a não sei quantas combinações pós-laborais e, provavelmente, contraído não sei quantos favores para que me fossem buscar isto ou aquilo em horas de expediente. Mas não vos posso dizer que não goste de lá trabalhar. A localidade é simpática. E mais importante ainda, as pessoas também. Não é o melhor sítio do mundo para quem se incumbiu a tarefa de alimentar este blogue mas, até à data, nada que um esforço adicional nas horas vagas não tenha conseguido compensar.

Enquanto cliente, foram raras as vezes que pus os pés num banco. E não sei que pensaria se me aparecesse um pató qualquer a dizer “ah e tal…tenho um blogue e gostava de o fotografar”. Ao gajo que trabalha num banco exijo, antes de mais (que se lixe a simpatia, a apresentação ou o que quer que seja) que seja de confiança. Porque, antes de tudo o mais, é de confiança que aquela relação se trata. Afinal de contas, ninguém mais sonha que o Tio Manel ainda faz depósitos na conta daquela amante que a Tia Alice julgava já ter passado à história, e, ao Tio Manel, não passa pela cabeça que a Tia Alice ainda pague metade da prestação da casa ao filho, a quem o pai deixou de falar desde que descobriu que ele gostava de homens (não preciso de dizer que não são apenas os nomes que são fictícios, pois não?). E numa terra pequena, como em qualquer bairro lisboeta, a confiança é a coisa mais importante que se pode esperar dum tipo que trabalha num banco. E é de confiança que este retrato que é feito. Não confiasse em mim, e o Sr. Fernando Teixeira Sousa não me teria dito que o podia fotografar “sempre que assim o entendesse”. E no fundo, é também da confiança que este blogue é feito. Porque às pessoas que aqui aparecem não só não vi um extracto bancário como nunca as vi antes.

Eu quero muito sair da Terrugem, mas no dia que isso acontecer, vou certamente ficar a olhar por cima do ombro. E imagino-me a lá passar daqui a dez anos e dizer ao meu puto enquanto lhe indico a dependência do BES “O pai trabalhou ali” (os pais têm esta tendência estranha, ao melhor estilo de um Jardel ou um Quim Berto, de se referirem a si próprios na 3ª pessoa quando se dirigem aos filhos, não é?). E quando me vier de lá embora, para além das minhas queridas companheiras de trabalho, vou ter saudades das pessoas da Terrugem. Das chalaças do Sr. António, do sorriso tímido da Isabel ou da elegância do Sr. Teixeira Sousa.

Quanto a casacos de xadrez pouco mais tenho a acrescentar. Dos quatro que apareceram aqui antes, dois deles sou eu que os trago vestidos. É uma das minhas peças favoritas. A combinação entre a gravata e o lenço são o toque de classe do Sr. Teixeira Sousa. O pano de fundo é a Terrugem

39 comentários:

Anónimo disse...

e pronto, tudo ao BES da Terrugem para dar uma bacalhauzada ao Zé! Vá..e fazer tb um PPR ou dois.! :)

Foto estiloso, Senhor cheio de charme.
Hugo

Anónimo disse...

Delicioso! Continua o excelente trabalho para eu continuar a começar bem o dia.
Sara

Unknown disse...

O verde!
O verde marca o inicio do dia de hoje, aqui e na Pitti Uomo!

Gosto!

alma de um louco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sofistiqueite ZZ Camarine disse...

Um Senhor à Antiga, de facto.
Poderia melhorar ainda mais, se o lenço, tivesse um padrão ligeiramenete diferente, mesmo que o tom se mantivesse esverdeado.

Quando não ando nas praias e no meio do barulho das luzes e tenho de adoptar um tactical veste mais apropriado para andar de gala, prefiro pessoalmente lenços brancos e de linho e dobra presidencial, segundo a última tendência do biff Tiago Bond.

Joana de Sousa disse...

eheh, um sousa ! e até traz o sol consigo :)
um Homem com H bem grande ! ADORO o verde :)

joana.sousa

Ana A. disse...

Aquela parte dos pais se referirem a si próprios na 3ª pessoa nunca falha!!!
Ah! E o seu casaco de xadrez também lhe assenta na perfeição.
E sim, 2 rachas é um toque de classe intemporal...

Anónimo disse...

Já vai correr melhor o dia depois deste texto realista mas bem divertido!
Sigo o teu blog e se vivesse mais perto passava na agência é pena que seja do BES, porque não baixou o meu Spred quando precisei, desde aí nem posso ouvir falar deles... mas pronto contigo é diferente porque escreves muito bem e tiras um fotos que são o máximo.
Gostei do Sr. Sousa cheio de pinta!

Anónimo disse...

E que tal uma fotografia à Isabel??
Não acha que ela tem o estilo necessário para o Alfaiate???
É só uma sugestão...

sorriso timido+estilo= post

Anónimo disse...

gosto muito quando partilha com nos algumas coisas da sua vida.

Oscar Seguro disse...

o verdadeiro vintage style.

(www.tandansse.com)

Fábio disse...

Como entendo os constrangimentos de trabalhar fora da metropole e o fácil que é gostar das gentes que fazem as terras pequenas. Abraço

Rui Quinta disse...

É bem Zé!

Maria disse...

Sou tua visitante recente, mas já sou uma admiradora incondicional. Gosto muito das tuas fotos e também da maneira como escreves. Parabéns!
Já agora quero dizer-te que não são só os pais que usam a 3ª pessoa! Os avós também! Sou avó e não consigo dizer-lhes "eu"...
Maria

João Cal disse...

Boa memória? Bolas, deviam inventar um adjectivo para a descrever. Memória de elefante não chega ;)
Ab

Anónimo disse...

Tenho pena … porque não sou especialmente bonita, ou feia, porque não tenho originalidade alguma para mostrar, não uso chapéu, e até já arranjei os meus dentes, que eram tortos.
De certeza que nada o faria pedir-me para parar para “bater a foto”.
Gosto principalmente do olhar a direito para a máquina, ninguém parece ter sido apanhado à socapa, e a foto de certeza que não foi roubada. Alguns até foi com o maior prazer que a deram outros com surpresa apenas.
Só hoje conheci este blog e fiquei siderada. Qual Lobo Antunes a escrever crónicas .. Aliás, deixei de o ler quando ele começou a explicar pássaros. Quem se lembrou de fazer esta associação não fui eu, mas sim os leitores do Alfaiate, ou outros. Lobo Antunes sonhou toda a vida escrever assim, com esta facilidade. Há aqui todas as características que faltam ao escritor: simplicidade, requinte e bom gosto, inteligência e uma capacidade fantástica de observação … porque ele, ao contrário do que se passa aqui, só consegue observar o seu umbigo.
Lindo ... não tenho palavras !!!
Parabéns “anónimos” só porque somos muitos e o Alfaiate já tem clientes que cheguem lá no banco para decorar mais nomes e caras !!!!!

attitude! disse...

É por isto que eu adoro vir cá ;)

Constança disse...

Ao passar por aqui sou sempre inundada por uma onda de inspiração... Um Grande Blog :)

Patrícia disse...

Este senhor da foto tem uma imagem fantástica!

Juana disse...

Eu conheço bem o fascínio que as grandes metrópoles (não é bem o caso de Lx, mas ok!)exercem sobre nós, pobres desterrados em degredos rurais, mas tem as suas compensações! Apesar de tudo quando troquei uma grande cidade por uma pequena aldeia ganhei muito em qualidade de vida e também na capacidade de relacionamento interpessoal. Gosto da fotografia e do texto. As tuas fotografias ficam sempre a ganhar quando têm um texto de suporte!

Mola disse...

Um exemplo de Avô cheio de pinta e charme!
Já imagino a conversa entre a avó e o neto:

Avó, onde está o Avô a estas horas da noite?
Querido, o Avô foi tomar um uísque com os amigos nos bares de Albufeira...
Voltará muito tarde, Avó?
Tudo dependerá do tempo necessário para por a conversa em dia, há justamente uma semana que não está com eles... têm sempre muito que conversar...
(Vinte anos depois, o pai da então criança confessa-lhe e diz)
Já conhecia o seu Avô antes de conhecer a Mãe, era um enorme sucesso entre as piquenas nórdicas nos bares de Albufeira.

(versão setubalense)

...o Avô foi fazer a patrulha com os amigos para que os maus não façam mal às pessoas.

http://www.osetubalense.pt/noticia.asp?idEdicao=423&id=14477&idSeccao=3257&Action=noticia

Veneno disse...

A Isa tímida!? lol
Pede tranferência para a dependência da Ericeira, sempre te cheira a mar!

hana disse...

Senhor como este a poucos
sempre com o maior charme
beijinho das amigas

Fatima disse...

Terrugem... um lugar simpático.
Passava por aí amiúde a caminho de Odrinhas.....

stiletto disse...

Fantástico! Que charme! Digno de um Alfaiate...

Lovely Rita disse...

Vou ser sintética desta vez: Uma das coisas que eu mais gosto nesta vida, e que me alegra SEMPRE o dia, para além de ouvir Beatles a tocar em locais públicos e algumas comidas que têm tantas calorias como são boas, é ver os mais velhos (porque velhos é uma palavra, não é pejorativa, é para ser usada, recuso-me a dizer idoso ou ancião ou qualquer treta politicamente correcta) elegantes. É TÃO bom. Os lenços, os coletes, os chapéus, as gravatas, as correntes dos relógios de bolso... E nas senhoras os chapéus, as luvas, a saia travada, os pregadores, o batom vermelho e os saltos de meio metro. Destacam-se, e, por alguma razão, eu fico com a sensação que são grandes pessoas, que tiveram uma vida preenchida. Porque enquanto se é jovem é fácil ser irrevente, é fácil ser notado na multidão. Mas manter a vontade de ser diferente, de ser elegante, de marcar o seu estilo, ao longo da vida são poucos os que conseguem. E por isso essas pessoas fazem-me parar na rua e pensar "porra, quero ser assim quando for velha".

E ok, esquece a parte do sintética. Não consigo fazer comentários curtos. E como este já vai longo, lembrei-me de dizer que vou copiar descaradamente o estilo deste senhor e oferecer uma gravata deste tom ao meu pai no aniversário. Já fizeste a tua parte de serviço público: Dar uma ideia de prenda a uma filha que normalmente encaminha essas compras para a mãe.

Mariana Vaz disse...

Que charme de Homem!!!! Adoro a gravata e vou comprar uma para mim! Também já trabalhei no espirito santo e adorei! São todos muito exigentes uns com os outros mas é uma grande família e ainda existe com os clientes uma coisa que se perdeu noutros sitios, confiança! Beijinhos para todos

Lina Santos disse...

Olá Alfaiate.
Concluo, depois de ler este teu magnífico post, que és ainda melhor do que pensava (e já te tinha em altíssima consideração). Não são apenas as pessoas que têm estilo, és tu que encontras nela algo que talvez não esteja à vista de todos. Como percebi isto? Porque cresci perto de onde trabalhas hoje e conheço, de vista, o senhor fotografado. Nunca me tinha dado conta do potencial de uma, nem da estética do outro. A Terrugem é um sítio difícil, encontrar uma pessoa que seja digna de registo merece aplausos.

MCS disse...

E que classe tem o Sr. Teixeira Sousa! Este post está magnifíco!!

Love,
Madalena e Sara
www.modacitadina.blogspot.com

Anónimo disse...

Cuidado Sr. Alfaiate
olhe que os seus textos estão a ficar tão bons quanto as fotografias
que bem que sabe passar por aqui
em que ficamos ?
ficamos em que cada vez é melhor passar por aqui
TeB

Anónimo disse...

Acho que um sinal evidente de que o blog está no bom caminho, é quando vejo leitoras a apresentarem-se como "avós"!:) Agora a sério, esta crónica está mesmo muito boa... Eu fazia questão de comprar um semanário que tivesse regularmente uma ou duas crónicas assim! Grande abraço André B

Anónimo disse...

Concordo plenamente com a Mónica!
já agora que tal fotografar as amigas da Isabel...

Anónimo disse...

Concordo com Bento. Na parte "crónica" e "muito boa". No resto também. Até já man.
TCM

FATIMA disse...

FICO TRISTE QD PASSO POR AQUI E NÃO EXISTE FOTOS E TEXTOS NOVOS, NÃO SEI PORQUE MAS NÃO É A MESMA COISA,FICA-ME A FALTAR ALGO.BOA SEMANA DE FOTOS PARA EU PODER VER ESTOU A SER EGOISTA MAS SE CALHAR SOU MESMO.

Isabel I disse...

Um comentário atrasado, depois de ler atentamente os outros. Fico espantada com certas opiniões aqui patentes. Um compara-o ao Lobo Antunes, outro louva os anónimos e outra reduz os velhos portugueses a senhores de gravata de seda e senhoras de salto alto e baton vermelho. E que tal um salto para dentro da realidade? Heloooo...

António Reis disse...

já nem sei porque carga d´água vim parar ao Alfaiate. Claro que à primeira vista foram as fotos. Mas olha que as palavras também estão a "fotografar" muito bem.

Dulce disse...

Quanta elegância :)
O verde não é "esperança", mas vai bem com o pano de fundo.
E esta foto é a prova que há muito a fotografar para lá do Chiado!

PS - o que deves ter sentido quando "aterras-te" na Terrugem foi muito idêntico ao que senti quando fui recambiada para Mem Martins!!! Mas a mim valeu-me uma 'chantagemzinha' e nem um dia depois fui parar ao corropio de Algés. Já longe da área comercial - e depois de ter passado pelo bulício da Rua do Ouro - hoje estou votada à frieza e impessoalidade do Tagus Park. Valha-me o colorido Palácio da Pena, lá no alto da serra, para animar os meus dias... e também a visita diária a este "estabelecimento", por supuesto! ;)

Dulce disse...

ups!
no comentário acima leia-se: "aterraste"!
comentar às 9 da manhã dá nisto ;p

Lígia disse...

Tens um "travo" qualquer que me fascina, que identifico em algumas (poucas!) pessoas que se cruzaram na minha vida. O que te distingue, a ti, é essa capacidade de VER, que com tanto talento transmites de forma quase inata. Mantém sempre essa essência! Eu continuarei seguindo! Beijos!