[ao Sr. João Mineiro. porque as grandes empresas são precisamente aquilo que os seus (grandes) colaboradores lhes permitem ser. quem já entrou um dia na San Giorgio sabe perfeitamente do que estou a falar]
No showroom. Era lá que figuravam as sugestões para o próximo Inverno. Era lá que seria de esperar que estas fotografias tivessem sido tiradas. Mas nas quase duas horas que estive na Diniz & Cruz não foi apenas de casacos ou gravatas que ouvi falar. Ouvi falar de pessoas também. E conheci-as. Das senhoras da limpeza ao comercial. Do armazenistas aos alfaiates. Das encarregadas de linha aos herdeiros. Não sei precisar quantas mãos apertei, quantas vezes acenei com a cabeça ou quantas mostrei os dentes. As suficientes para sugerir que estas fotos fossem tiradas, não junto às peças que vou querer vestir no próximo Inverno mas na "linha", junto àqueles que lhes dão vida. Na foto está o Sr. José Manuel Cruz. Falta o seu homónimo, o Sr. José Manuel Diniz. Os dois, acompanhados pelo Sr. Fernando Diniz fundaram a Diniz & Cruz há 38 anos.
Nenhum destes senhores desconfia e convém admitir que o algarismo não impressionará ninguém mas faz agora 5 anos. 5 anos que a minha relação com esta empresa teve início. Ia ter o meu 1º trabalho a sério. A fase de formação estava prestes a começar e eu precisava dum fato. A passagem para o formato “casaco e gravata” na vida dum rapaz com idade para usar cartão-jovem nem sempre é fácil e, já que não a podia evitar, que ao menos a vivesse da forma mais agradável possível. Gabo-me a paciência, percorri a cidade inteira. Não houve pronto-a-vestir onde não tivesse parado. Desde os Fanqueiros à Avenida passando por um ou outro centro comercial, Guerra Junqueiro, Avenidas Novas, Braamcamp e Baixa, não houve retalhista onde não tivesse entrado, perguntado, experimentado ou simplesmente metido o nariz. Percebi que um número pequeno de marcas absorve a esmagadora maioria da oferta e cheguei a uma conclusão simples: não há uma ou duas marcas interessantes no mercado, nomear-vos-ia facilmente uma meia dúzia. Mas eu não estou aqui para falar daquilo que eu gosto ou simplesmente tolero. Estou aqui para vos falar daquilo que eu mais gosto, daquilo que eu prefiro (desconfio que seja essa a maior vantagem de escrever para mim próprio).
“Esse fato é nosso”. Foi a 1ª coisa que o Sr. Cruz me disse quando me aproximei. Não tinha sido complicado proporcionar-lhe a delicadeza e também não estava surpreendido pelo reconhecimento. Entre os 14 fatos e casacos que fui ali contar ao armário apenas 2 não são Do Homem. Ora este meu desejo de visitar a fábrica já tinha alguns anos. É que…como explicar-vos, eu sou daqueles clientes insistentes, não direi chatos mas insistentes. Uma vez na Lourenço & Santos (ali mesmo ao lado do antigo Cinema Condes, já haverei de voltar a ela) achei que os botões do casaco da nova colecção da Do Homem estavam cosidos um centímetro acima do que me tinham habituado. O senhor que me atendia achou que eu era louco e limitou-se a acenar com a cabeça por delicadeza comercial mas não saí de lá convencido. Como o senhor tinha quota-parte de razão (tenho efectivamente uma certa pancada e a minha mãe é a primeira a reconhecer isso) liguei para a fábrica da Diniz & Cruz a contar o sucedido e a dar o meu feedback – o Marx dizia que a luta de classes era o motor do mundo, eu sou um bocadinho mais choninhas, acho que são os feedbacks que o fazem andar para a frente. Perguntei se podia visitar a fábrica mas indicaram-me uma loja no Largo da Graça que pertencia à marca e que seria o sítio ideal para colocar as minhas questões e conhecer uma amostra alargada da marca. A loja é a San Giorgio. Foi lá que encontrei o Sr. João, a quem dedico este artigo, e o Sr. Horácio, a 4ª pessoa a figurar neste blogue. A San Giorgio esteve recentemente encerrada para obras. Reabriu há três semanas, com a mesma calçada portuguesa a entrar loja adentro mas com um encanto novo. A verdade é que a visita saiu-me mais cara do que pensava, mas esse já se sabe, é o risco que corremos quando entramos numa loja assim.
O Grupo Diniz & Cruz tem duas marcas, a Do Homem e a Dalmata. Eu não vou falar da segunda porque, dessa marca de senhora, tudo o que conheço são uns catálogos bem apessoados. Mas a primeira é a minha marca. E recordo o Sr. Cruz a fitar-me com ar provocador e dizer “os nossos casacos são provavelmente os melhores casacos do mundo”. Ri-me e respondi-lhe que não havia necessidade de despender energias comigo uma vez que, bem ou mal, já estava convencido faz tempo. Andar pela fábrica, pela “linha”, pelo “corte”, pelos “ferros” ou pelo armazém e viver um dia normal de uma unidade de produção daquele tamanho deixou-me encantado. Segui os vários processos de confecção, vi as colecções futuras e descobri que há padrões lindíssimos que nunca encontrei à venda em Portugal apenas porque, ao que parece, não há quem os compre. Os mesmos padrões que são exportados (já que a balança comercial do nosso país está na ordem do dia) para algumas das artérias mais famosas de Paris, Londres ou alguma cidade italiana. E fiquei também contente por saber que era pela mão da “minha” marca que uma outra loja ia reabrir. A Lourenço & Santos, onde ia religiosamente abastecer-me de gravatas de malha. Ainda lá não voltei, mas de hoje ou amanhã não passa. Agora acreditem no que quiserem. Vir falar-vos da minha marca de eleição, da minha loja favorita ou da antiga loja que reabriu não é publicidade gratuita. Este blogue é-me demasiado querido para me poder dar a esse luxo. Este post asseguro-vos, este post é um conselho de amigo
24 comentários:
Bom texto, bom gozo de (bom) gosto.
Bom dia.
É a primeira vez que te escrevo (permite-me que te trate por tu). Como deverá ser da praxe, digo-te, com honestidade que gosto imenso do teu espaço aqui na grande janela que é a web - já deves ter "ouvido" isto inúmeras vezes antes. Mas é verdade. Gosto. No início, desculpa a sinceridade, pensei que era uma mera imitação do The sartorialist. Depois constatei que não. É difícil, minha modesta opinião, delimitar, ou melhor, correr o risco entre a simples imitação e a reformulação original. Tu conseguiste-o bem.
Uma outra razão que me leva a escrever-te hoje, como disse pela primeira vez, é que com o teu texta senti afinidade. Também eu trabalho na banca - não tradicional - e também eu, ainda em idade de cartão jovem, vi-me obrigado a utilizar fato e gravata. Há menos tempos, é certo, somente á 3 anos. Mas vi-me forçado por força do que os ditâmes chamam de "ser bem sucedido e andar apresentado" todos os dias é ver-me colocar a a gravatinha e sair todo contente para o trabalho.
Eu, como tu, assim calculo, vejo-me forçado a correr tudo quanto é sítio na demanda de um fato. o fato. assim, não queres partilhar, onde é essa loja e todas as informações que aches importantes?
Mais uma vez, os meus parabéns pelo teu blogue, pela coragem. E aquia coragem é para ser entendida de de expores aos colegas nesta área onde há ainda muito conservadorismo.
Cumprimentos.
E é Do Homem que procedem todas as merecidas homenagens, - a quem merece o nosso respeito e a nossa estima. Este belo texto fez-me lembrar as palavras que ouvi do amigo Jonathan Swift, há uns séculos atrás, quando esse distinto cavalheiro andou atarefado por esses mundos desconhecidos: ele também me falou das grandes empresas e das enormes empreitadas que esses seres hospitaleiros tiveram para lhe fazerem os soberbos fatos, que se acomodaram ao seu corpo pelas mais requintadas festas e por todos os grandiosos eventos do Reino de Lilliput. E é Do Homem que a vida se faz grande e que os imprevistos acontecem.
Gostei de cá estar, como sempre!
Isto começa a ser demais :) Na Terça venho cá e vejo o Tomé. Hoje venho cá e deparo-me com o Sr. Cruz :)Conheci-o no ano passado numa reunião de trabalho e confesso que fiquei impressionada. Primeiro pela simpatia e simplicidade cada vez menos frequente nos nossos empresários. Depois pelo entusiasmo com que falou dos seus produtos. E, finalmente, pela forma afável como cumprimentou os vários funcionários, que conosco se cru zaram, quando me levou a conhecer as instalações. Este país precisa de mais homens assim...
Olá!
Antes de mais quero felicitar-te pelo teu blog, mas principalmente pela forma apaixonada com que escreves.
Tens talento ;)
Continuação de bom trabalho
Adorei o texto* :)
Adorei o texto* :)
É uma realidade que me é muito próxima, mas noutra vertente: a da produção de tecidos. O meu pai é chefe da secção têxtil de uma fábrica portuguesa lucrativa. Desde pequeno que estava habituado a ouvir um "Graça anda cá" para a minhã mãe, quando por vezes trazia uma diversidade de tecidos do trabalho que em breve iriam seguir caminho para a Burberry, Hugo Boss ou mesmo a Zara. Fazia isto para ela escolher um para mandar fazer um fato ou um vestido a um alfaiate ou modista. Assim, compreendo bem o que é ir visitar a produção, cumprimentar desde os engenheiros às senhoras da limpeza e ouvir o ensurdecedor barulho das máquinas.
Muito bem.
Infelizmente nem todas as pessoas têm a capacidade de "ver com olhos de ver" as pessoas que com elas se cruzam... ou melhor... "ver para além de"... do que realmente estão a ver...
É destas e com estas histórias que as pessoas aprendem e crescem.
Gostei muito clap clap clap
J
Qual é a tua opinião da Dielmar?
GC
quando li "do homem" pensei logo "dálmata" :D é mesmo mesmo bom, ver um grupo de tao boa qualidade em portugal!!! temos mesmo de investir nas nossas coisas e parar de as rebaixar, porque temos marcas cheias de potencialidade!! =)
http://sapatosnoar.blogspot.com/
Caro Alfaiate, gosto das suas fotos, de pessoas e de moda.Hoje fiquei a gostar mais, encontrei aqui o meu querido Sr Cruz. Tive a hora de pertencer ao grupo D&C, no dpt senhora, durante 12 anos. Fiquei com saudades do frenezim das coleções, dos cheiros dos tecidos e das pessoas fantásticas que lá trabalhavam. Gostei muito que falasse desta empresa fantástica, que faz peças de vestuário com uma qualidade fora de série. É muito bom saber que em Portugal ainda há gente com muito valor e bom gosto!!! Até já
Bom post Zé.
Também eu conheço a Diniz&Cruz há alguns anos, não por ser lá cliente, mas por trabalhar em gráficas onde os seus catálogos, viaturas, cartazes e etc, foram feitos. Não conheço a qualidade dos materiais e do corte utilizado nos seus fatos mas conheço o rigor e excelência exigidos no material gráfico para si produzidos. Uma vez tive oportunidade de conhecer o sr. Cruz numa das suas deslocações à empresa onde trabalho, para acompanhar de perto a produção de um desses trabalhos (veja-se o rigor que põe nos detalhes, afinal como um bom alfaiate) e onde colegas meus viram um homem arrogante, eu vi um homem exigente e rigoroso, com o a-vontade de quem sabe que é bom e não falha, e exige, com todo o direito, o mesmo ao outros. Senti na altura que o país precisava de mais homens como ele, mas estamos em Portugal e ser exigente com os outros, obriga a que sejamos exigentes, em primeiro lugar connosco. E para isso não estamos, por inércia, pr'aí virados.
Vi também um homem cheio de charme, que só a idade trás, invulgarmente bem vestido dentro de um blazer azul, de um padrão que não mais voltei a ver, calças brancas, não me lembro da camisa e gravata (magnificas, certamente) e sapatos de camurça castanhos. Parece-vos um look vulgar? Acreditem, é ver para querer, de vulgar não tinha nada! Tenho pena que as fotos do Alfaiate (apesar de excelentes) apenas levantem o véu daquilo que estou a falar. Espero, com ansiedade de uma secção fotográfica em que possamos apreciar, de corpo inteiro, o look "Cruziano". Parabéns aos dois.
Peço desculpa, no post anterior onde se lê "secção", leia-se, por favor, sessão. obrg.
Excelente post! É destas pessoas que Portugal precisa, pessoas que mostram que o que aqui se faz é bom e tem valor. E é de pessoas como tu, Alfaiate, que o país precisa também. Porque demonstras continuamente os melhores sentimentos humanos, sem pieguices, com nível, com muito estilo e com (admitamos) coragem. Um abraço, Oom.
ó alfaiate
que prosa cansativa, e o problema é que se pega a avaliar pelos comentários..
o teu blog é um espanto. sempre.
espero sinceramente um dia ter o prazer de me cruzar contigo, numa dessas ruas aleatórias que imortalizas com a tua máquina. parabéns :)
Alfaite,
Na verdade o que é nosso tem qualidade e quando o design e bom gosto estão presentes, então somos insuperáveis. Contudo eu também, por força maior (profissional) tive de vestir fato e gravata, já lá vão 10 anos, também vesti fatos "Do Homem", e reconheço qualidade, no entanto depois de usar um fato "Labrador" não quis outra coisa. Este é o top dos fatos, corte, materiais, pormenores e alma.
Parabéns pelas fotos e comentários muito oportunos.Sempre a acompanhar...
A Do Homem tem uma vestibilidade fraca, alguma atenção ao detalhe, mas produz casacos termocolados pelo que, não obrigado.
A do Homem tem um largo caminho a percorrer para chegar ao nível de marcas, nacionais, como a Dielmar e Wesley.
Que beleza de texto… é do Alfaiate de Lisboa
Caro sr. Alfaiate,
Entretendo-me eu, como é costume, na vadiagem pelo ciberespaço, vim a dar com este seu artigo, que li com interesse.
Depois que o li, pareceu-me representar um interesse ainda maior, porque se constitui como prova para muitas ideias que tinha acerca de si. Então não é que você, num arrojo insuspeito de asseio socialista, decide dedicar as fotografias do seu artigo aos TRABALHADORES que fazem ROUPA, em vez de retratar jovens wannabe ou burgueses vaidosos? Sim, é isso que diz o texto. Já não é tanto isso o que acontece. O foco das fotografias está num senhor muito bem apresentado, mas que provavelmente nunca pegou numa agulha e num dedal e nunca se sentou a uma máquina de costura durante períodos longuíssimos. Não, esse senhor fala profissionalmente ao telemóvel, talvez um pouco mais atento por causa do barulho da maquinaria que, atrás e em segundo plano, as costureiras vão operando. É isto que dizem as fotografias.
O que não dizem e que pode interessar é que o senhor Alfaiate ganha a sua vida com a publicidade mascarada de blogging, ganha a sua vida pelo cultivo do consumismo na sua pior forma. O seu ofício consiste em prestigiar marcas, modas, "estilos de vida". O senhor é um publicista em pele de alfaiate. E ao fazê-lo neste grau, é uma total fraude.
Cordialmente,
Pierre Jesus
Pierre Jesus,
a sua mensagem é tudo menos cordial e padece de um mal comum. assume as suas crenças pessoais como factos e verdades absolutas. insinua sobre o que senhor da fotografia fez ou deixou de fazer na sua vida assinando um esboço, não deste senhor, mas daquilo que (por motivos que não conheço nem suspeito) o Pierre Jesus acredita que este senhor é. ainda assim, e se a insinuação me parece deselegante, não deixa de passar disso, uma insinuação
mais grave que isso. insulta-me. acusa-me de fazer algo sobre o que não tem o mais insignificante dado, facto ou crença comprovada. não deixa de ser curioso que numa altura em que se debate a promiscuidade entre o editorial e o comercial. entre a publicidade e testemunho pessoal. entre as opiniões pessoais e aquelas que são sugeridas, compradas, vendidas ou o que quer que seja o Pierre Jesus venha bater à precisa porta onde não exista telhados de vidro
Boa tarde,
Sei que o post já não é recente mas visto que estou interessado em adquirir fatos, tendo de os mandar fazer por causa da minha estrutura física, poderia dizer, de forma meramente indicativa, quanto ficaria a 'brincadeira'? Sei que depende de muita coisa mas penso num fato 'moderno', cintado, com um corte elegante.
Obrigado.
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