Reencontrar pessoas em cidades estranhas provoca-nos sempre aquela sensação idiota (mas bem agradável) de que ainda agora ali chegámos mas já dominamos a cidade. Que sabemos onde se passa x, que a zona y é a mais indicada para isto ou aquilo e que, se fizermos corta-mato pela ruela z conseguimos chegar ao ponto mais desejado da cidade. Na primeira vez que encontrei o Martino estava a devorar uma posta milanesa enquanto ia conversando com um casal japonês que, mesmo a pedir umas piadas estereotipadas sobre o seu povo, olhava para a minha máquina fotográfica (japonesa por sinal) como se da última maravilha do mundo se tratasse. Encantei-me com o visual napoleónico do Martino e lá lhe fui tirar a fotografia da praxe, sugestão à qual ele reagiu tão naturalmente como se lhe tivesse perguntado as horas ou uma informação turística.
Da segunda vez foi diferente. Estava a almoçar com uma dinamarquesa que tinha encontrado fortuitamente na Via Brera e que – lá está outra vez a sensação idiota a vir ao de cima – tinha conhecido por ali dias antes. Bebia vinho branco como se fosse água mas, ao contrário da falta de encanto que costumo encontrar nas mulheres que estão mais emborrachadas que eu, estava deliciado com ela e com aquela bebedeira encantadora a transbordar feminilidade por tudo quanto era poro do seu corpo. Pelo olhar (e pelos olhos), pelo sorriso (e pela boca), pelo ombro semi-nú e pelo decote que se exibia quando, rindo, se debruçava sobre a mesa. E até pelo inglês atabalhoado que 48 horas antes me parecera tão perfeito. Quando até aos tropeções em ditongos e fonemas se acha encanto corre-se o risco que quem esteja sentado à nossa frente se comece a dar conta da boa impressão que está a deixar do outro lado da mesa e, lá estava ela, bêbada mas nada parva, a registar a minha crescente rendição àquele concentrado de feminilidade. A dada altura lembrou-me, bem à imagem do espírito prático escandinavo em questões desta natureza, que a sua disponibilidade não era necessariamente proporcional ao álcool que tinha no sangue e que, não obstante estar-se a divertir imenso, não queria que eu a interpretasse mal o que, convenhamos, foi apenas uma forma mais sofisticada de me dizer, “lá por ser Domingo, estarmos bêbados e razoavelmente atraídos um pelo outro, e os nosso apartamentos serem próximos, não significa que lá vamos parar”. Disse-lhe, com um ar de gozo que tinha por fim fazê-la sentir-se um tanto ou quanto ridícula, que ela tinha descoberto mais bons motivos para que isso acontecesse do que eu julgava existirem mas que, o amigo de quem lhe tinha dito estar à espera não era apenas uma “entidade imaginária” e que, nem de propósito, já o avistava ao fim da rua. Levantei-me e lembrei-lhe que o único motivo pelo qual não lhe tinha sugerido uma fotografia era que, se o fizesse, não me sentiria confortável a escrever sobre ela e aquele almoço. Já o Martino, recordo a sua reacção quando o amigo lhe perguntou para que raio eram aquelas fotos. Recorreu àquela mímica italiana de juntar as pontas dos dedos apontadas para o céu e disse, com o ar de gozo que facilmente se lhe imagina, "Lo sai, io e la moda, la moda e me..." [qualquer coisa como “Tu sabes, eu e a moda, a moda e eu...”]
E pronto, lá fomos à nossa vida com aquela sensação idiota (mas sempre agradável) de quem já domina uma cidade
17 comentários:
O Martino tem um sorriso especial... Parece que o estou a ver a dizer isso.. Bom estilo alfaiate, ja me deu uma ideia para um garment ZJ
BEATLEMANIA!!
Desde há uns tempos para cá, e salvo duas ou três excepções - segundo o meu critério, que não faz lei, óbviamente -, as fotografias e os fotografados têm vindo a ser mais banais.
Sem maldade, Alfaiate (até porque acredito que as histórias por detrás das fotos serão quase que pessoais e dificilmente transmissíveis), mas este Martino não tem pinta nenhuma. Com uns óculos de mergulho e mais pareceria aquele amigo tonto do Hugh Grant no "Notting Hill", o Spike.
Milão tem mais nível. Até o Mourinho...
pf
Olhe Sr. Paulo F. eu até acho que este Senhor tem muito charme, mas uma coisa anda-me a intrigar, aqueles bolsos da frente devem ser muito fundos...
Já me ri com o texto e com as fotos a imaginar este Martino, que tem um ar bem simpático, nesse gesto tão italiano.
:))
Gostei da escrita ;)
Sentia falta dos textos. E vou ser incrivelmente arrogante e achar que tu tinhas saudades dos comentários.
me encanta cuando escribes aunque sea la más simple de las anécdotas. Me vas a permitir decir, sin querer ser vulgar, que tus palabras alcanzan un punto de complicidad, y hasta de sensualidad que se vuelve irresistible.
ninguem sentia a tua falta rita..
O texto justifica a foto. Ou será a foto que justifica o texto?!
Às vezes gostava de ter só 1/10 da tua naturalidade.
Bjinhos
eu sentia a tua falta, Rita! :) Continua Migonga
favulosa foto, fabuloso texto^^
a+
De grande qualidade, quer a foto quer o texto... Parabens! Andre B
ui... eu é que não gostava de ser tua mulher...
apesar de tudo, bom blog. parabéns.
Fiquei algum tempo sem cá vir, por nenhuma razão especial, e quando leio textos destes percebo o porquê da minha paixão quando cá passei a primeira vez.
a primavera fica melhor ao martino do que o inverno!
sendo este um blogue que fotografa pessoas comuns um pouco ao acaso, devo reparar que nunca aqui encontrei aqui fotos de pessoas mais gordinhas, n terão estas estilo em alguns casos?!
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