Em miúdo, um dos meus amigos tinha um vizinho que era um grandessíssimo tangas. Havia tangas que ele dava recorrentemente, das quais usava e abusava e que conhecíamos já de cor. Mas havia outras, de tão idiotas que eram, que me obrigavam a dizer-lhe... “oh Quikas...”. E eu dizia-lhe aquilo nem tanto pela tanga em si. Dizia-lhe aquilo porque havia um limiar de bom senso que lhe exigia que respeitasse. Um limiar de bom senso que exigia que me reconhecesse. E lá me respondia... “Ok ok, eu não insisto mais nessa”.
Estava ontem no Raio X do aeroporto de Barajas quando aquela silhueta infantil me pareceu familiar. Encolhi os ombros mentalmente e voltei a virar-me no sentido da fila. Mas a imaginação, quando a isso lhe permitimos, consegue molestar-nos de forma atroz até conseguir que lhe cedamos. E voltei-me. E prestei-me a olhar uma segunda vez já sem receio de ser notado. Sem receio de que uma qualquer miúda à espera que (não) lhe encontrem nenhuma intenção terrorista no ipad, computador portátil ou bolsa pessoal pense que estou ou não a olhar para ela. E há ali um momento em que, a 3 metros de distância e por trás de uns quaisquer Ray Ban, pareço ver um esgar surpreendido. E digo baixo e grave (mas projectando a voz de forma a que chegue àquela miúda a minha teoria sobre encontros casuais em partes distintas deste planeta):
- Julie..
E ela diz
“José”. É a Julie. Que eu fotografei, em Agosto de 2010, em Tallin na Estónia.
É claro que eu não vos posso exigir que acreditem nisto. Vocês levaram já com a Maria que encontrei no Passeig del Born depois de a fotografar nos Aliados ou
com o Sebastiano que passou à minha frente em Manhattan precisamente um ano depois de o ter visto pela primeira vez no Corso di Porta Ticinese. Conheci
a Julie em Falgi tee, uma descida de duas faixas cercada de verde, uns quantos paralelos latitudinais acima do tal Raio X em Barajas. Eu sei. Vocês exigem-me agora aquele reduto mínimo
de respeito com que, por tantas vezes, ultimei o Quikas. Aquele que lhe exigi
quando me disse que, aquando da sua primeira visita a Portugal, o Bill
Gates teria estado reunido com ele. O problema é que eu, de cegueira tal pelas minhas próprias obsessões, jamais vos vou dizer “Ok ok, eu não insisto mais nessa”. Porque parece que
foi ontem que pedi à Erika (a sua amiga da foto que me havia escrito) o contacto da Julie para lhe perguntar o que achava ela de fazer parte do livro. De fazer parte do meu livro. E eu, às pessoas que tenho no meu livro, obrigo-me a
reconhecê-las. Estejam na minha rua, numa ladeira no Báltico ou num Raio
X em Barajas
16 comentários:
e lá viajámos nós (contigo) outra vez. muito bom! um abraço, dg
A banal frase de "O mundo é muito pequeno" sempre fez todo o sentido e realmente há coisas engraçadas esta é uma delas XD
agulhabairrista.blogspot.com
que bonito :)
... pois achei a Julie linda! E a história perfeita! Parabens..
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Eduardo.
Já me aconteceram coisas assim. É FIXE...JAJA
Acho fantásticas estas coincidências...
Eu acredito.
Muito bom!
brutal, adoro estas histórias. remete para muitas coisas em que eu acredito. e lembrei-me da série 'touch':)
Simplesmente ADORO!
Estória bonita. E às vezes a realidade não tem nada a ver com os limiares do bom senso... :-)
arrepios, arrepios, arrepios.
E ainda me irritam mais estas:
"Portugal é uma ervilha"
"O Mundo é MESMO um T0"
Abraço para ti Zé que és GRANDE
Miguel
Adoro quando nos falas destes (Re)encontros. Deixas-me prendida á imagem e fico com aquela curiosidade para saber de onde a conhecias e como o teu coração palpita quando olhas uma e outra vez até que chamas de : Julie ;)))
Encontros que resultam tão bem!
é fácil viajar nesta história :) Parabéns pelo Blog e pelo Livro! ... (descoberto no laboratorio di Sartoria, através do amigo de infância, João Paulo Rodrigues :)
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