sexta-feira, 18 de junho de 2010

O casaco desportivo

O casaco desportivo
O casaco desportivo
O casaco desportivo

Não são apenas os conceitos que se demonstram mutáveis e dinâmicos. A visão que deles temos também. E a minha perspectiva sobre o casaco desportivo é hoje bem diferente daquela que tinha há meia dúzia de anos atrás. Olhei em tempos para ele como um barroquismo supérfluo de quem o vestia. Como o tipo que adiantava parte do conjunto de segunda-feira para a tarde de Domingo ou então, pior ainda, que o antecipava para as noites de sexta ou de Sábado. Mas aquilo que vestimos não é apenas um exercício livre sobre como cobrir a pele. A nossa indumentária carrega consigo um conjunto de signos e símbolos que, goste-se muito ou pouco, serve de plataforma de comunicação com quem nos cruzamos. É aquilo que à luz de Durkheim se apelidam de "factos sociais". Algo exterior ao indivíduo que se lhe impõe. Como uma norma colectiva que se lhe aplica independentemente da sua vontade. Quando uma marca concebe uma peça de vestuário não está apenas a proporcionar uma visão bonita a um potencial cliente. Vende-lhe uma imagem e um conceito e, por vezes, um sonho também. E a partido do momento em que compramos esse artigo, estamos a consumir o conceito, a imagem, o sonho e o que quer que seja que aquela peça incorpore. E isto tanto é válido para o vestuário como para a dermo-cosmética, tão certo para o mercado automóvel como para a restauração. Porque o que está em causa não é apenas o trapo que nos cobre ou o serviço que nos prestam mas também o ponto para onde estes nos transportam. O cartão de crédito platinado a condizer com uma tarde de compras na Seventh Avenue ou um restaurante em Mayfair, um creme de beleza de uma marca premium que não poderia estar sedeada noutra cidade do mundo que não em Paris, um descapotável a percorrer os mesmo Corniches onde a Grace Kelly filmou e morreu ou um casaco de Algodão a evocar a Marina de Portofino.

Num destes fins-de-semana eu e mais dois amigos saímos à noite no meu carro e quando parámos num semáforo junto a um outro cheio de miúdas um deles disse “quando vamos no carro do Zé as gajas nunca olham”. O terceiro lembrou que o carro desportivo dum quarto amigo que ali não estava era o maior de todos os chamarizes mas o mesmo amigo que destituiu o meu velho Fiat de qualquer capacidade afrodisíaca respondeu sabiamente:
- Não, o melhor para as gajas da nossa idade é a minha carrinha. Passa a imagem do gajo que quer assentar e constituir família.
Eu podia escrevinhar parágrafos inteiros a desperdiçar o tempo de quem aqui vem mas dificilmente conseguiria expressar a ideia tão bem quanto o João. Os conceitos e a visão que deles temos mudam tanto quanto o tempo nos transforma em frente ao espelho. Ontem um blazer far-me-ia sentir parolo e encontrava (como ainda vou encontrando) o patamar máximo dos encantos numa t-shirt decotada. Hoje, o tom coloquial com que trato a peça que dá o nome a este post, faz-me sentir mais senhoril e sofisticado. Posso juntar-lhe umas botas de sola de pneu dignas do mais suado ambiente rural, o toque juvenil dumas bainhas arregaçadas ou uma barba ranhosa demais para ser considerada aceitável por qualquer publicação masculina mas a verdade é esta; perante uma presença feminina ele (o casaco) faz-me sentir, não necessariamente mais velho (que esse predicado em si mesmo todos recusamos gentilmente), mas talvez mais sábio, interessante e charmoso ou qualquer outro atributo valorizado socialmente e geralmente associado a homens mais velhos que eu. E a sonhar todos temos direito. Não tenho 30 segundos de pachorra para a imprensa que me impinge constantemente os estilos e consumos de vida daqueles que têm extractos bancários incomparavelmente superiores aos meus mas eu próprio, embora feliz na minha mediania social, porque raio não terei direito de vestir um dia algo que me faça sentir na pele de um qualquer italiano ricaço? Fará da minha alma mais frívola que a dos demais? Já cantarolava o Jorge Palma: “Na terra dos sonhos podes ser quem tu és ninguém te leva a mal. Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual.” E esteticamente falando, neste momento preciso, a minha visão encantada da vida mete uma mesa em frente a uma corrente de água, fluvial ou salgada, com os tornozelos despidos e uma brisa de fim de tarde que se torna precisamente agradável, com o tal casaco desportivo vestido. E lá está, essa imagem descontraída mas sofisticada (de onde julgam que vem o mais que batido “casual sofisticado”?) lembra-me um argentino bem parecido em casa de quem passei uma noite no septième arrondissement que me exclamava “Pues mira (R)osé!”. E lá estava ele em frente ao espelho em plena preparação para uma incursão noctívaga com propósitos sociais muito bem delineados, a ajeitar um lindo casaco de linho e a repetir-se a si próprio como se convencendo da sua própria lengalenga:
- Joder tío… ahora sí, estás listo para ligar. Joder tío…ahora sí

41 comentários:

Paulo F disse...

Já há uns tempos cheguei à conclusão que um casaco masculino - desportivo, de linho, bombazina, camurça ou integrado em fato completo - é a mais perfeita peça da indumentária masculina. Cómodos, dão sempre "aquele" toque. Um conforto descomprometido, sempre bem para (quase) todos os momentos.

Este post, Alfaiate, acho-o muito bom. Sabe, levou-me até Ernest Hemingway, levou-me até uma bela época tão bem retratada n' "O Talentoso Mr. Ripley", levou-me ao charme que um Philippe Noiret no papel de Pablo Neruda nos cenários encantatórios de uma ilha italiana dos anos 50 em "Il Postino", enfim, sonhos, os tais do Jorge Palma...

Um grande post. Ah!, e se a carrinha familiar do seu amigo for uma Volvo 940 de meados de 90's, é ele quem tem razão.

Desculpe o testamento.
pf

o stressado disse...

Texto muito bom. O casaco desportivo nem sempre é bem vestido... e confesso que lhe resisto, a imagem dos pseudo endinheirados com o casaco pelos ombros é um clássico que se tornou um cliché de mau vestir. Mas nada como uma visão contemporânea para lhes olharmos com outros olhos.

Sónia Lima disse...

Deixo aqui o meu 1º comentário, Sr. Alfaiate: adorei todo o comentário sobre o casaco, mas o que realmente me arrancou uma alta gargalhada foi a "teoria" dos carros que os gajos da "nossa idade" têm ;-)

Mafalda disse...

A teoria dos carros não pega Zé... No outro dia discuti isso com uns amigos meus. Se passares com um carro top top, 50 pessoas olham para trás, das quais só uma delas será certamente mulher. Já se passares com um carro vintage aí tudo muda de figura, lá vai um tipo com charme, nem que seja pelo carro, e com fortes possibilidades de ser uma pessoa interessante.

Quanto ao adereço que dá nome ao post, gosto mas não sou apaixonada. Só gostava que me explicasses como consegues fazer com que três peças tão diferentes combinem tão bem! Não é para todos, não é mesmo.

Bjos

Anónimo disse...

;P

Ai eu tb quero um destes!!!...

Não, n é um casaco desportivo, é mesmo um "Alfaiate".

BeijOoOOoOO

Maria disse...

Onde estão os que dizerm que o alfaiate é uma cópia do Sartorialist?Onde estão?Lindo!!

Alfredo disse...

Olha o Crispim na 1ª foto. Há quanto tempo...

Anónimo disse...

Jajaja, muy bueno!

Anónimo disse...

Grande texto!
Gosto especialmente de "Mas aquilo que vestimos não é apenas um exercício livre sobre como cobrir a pele. A nossa indumentária carrega consigo um conjunto de signos e símbolos que, goste-se muito ou pouco, serve de plataforma de comunicação com quem nos cruzamos." Muito bom!
Gosto das fotos e dos casacos que servem na perfeição: "a roupa é que nos deve servir e não o contrário". Em grande!
DG

conceicaobarreta disse...

Muito bom, gosto de ver um homem,que escreve tão bem e ainda por cima é giro mas tão giro....

Cátia disse...

Com sempre um texto despretenciosamente Bom! De alguém certamente muito interessante e muito inteligente. Um gajo da minha idade!!

continua!;)

Anónimo disse...

Muita muita pinta. Eu olhava para ti em qualquer calhambeque! ;)
Bjoo
G

Maria João de Perestrello disse...

tried the first one, it did not fit =( shame.

labellepoqueofattitude.blogspot.com

Paulo F disse...

Eheh... ;)

pf

marta disse...

Ó Alfaiate, até pode ter um carro que não é um chamariz de miúdas, mas tem um blog (e uma figura) que acaba por sê-lo. Não se preocupe;)

aviador disse...

Quem diz factos sociais diz fatos sociais.
Aqui ainda não chegou o acorod ortográfico!

Unknown disse...

LOVELY <3

O casaco/blaser é a peça essencial em qualquer guarda-roupa... a par do black dress (para a mulher)...e dos jeans!

LINDAS essas fotos !!


http://ivaniadiamond.blogspot.com

Margherita disse...

Querido Alfaiate,

Casas comigo no Domingo? ;D Ai rapaz...

Anónimo disse...

Adoro! :)

beijinhos Pintas

célia silva disse...

é uma peça bastante perigosa, realmente, mas nao apenas pela idade em que o homem a tenta usar, mas sim, pela postura que tem, é bem verdade!!! =)

http://sapatosnoar.blogspot.com/

António Prates disse...

Gostei muito deste texto, que me levou a passear pelas memórias, e me fez contar uns quantos casacos desportivos, destinados a ataviarem a minha alma exterior e a mostrarem o que fui na minha eviterna terra dos sonhos. A saúde desportiva faz-nos sentir mais à vontade quando os sonhos são desportivos.

Bom fim de semana!

Maria M. Fonseca disse...

Eu sei que nada é original, mas, convenhamos, este blog é uma descaradíssima imitação do FANTÁSTICO "The Sartorialist".

Pat disse...

Já acompanho o teu blog há algum tempo. Gosto do conceito, gosto das tuas fotografias, gosto do que escreves... mas também gosto de ti: és cá uma brasa! Felicidades e muitos sorrisos.

Nessuno disse...

Sim, não trocaria o meu reles blazer por nada. Mas tens razão, temos na roupa e em tudo o que de material esta relacionado connosco um espelho. Talvez por isso seja tão selectivo e uma mulher, para alem de aparentar beleza e inteligência, tem que espalhar um charme próprio, uma originalidade, um... carisma. bem, quanto a carros e discutível, mas sim, a cena da carrinha e perfeitamente aplicável a fãs do casamento/união/estabilidade familiar.

Va, tens aqui a forca motriz, pensa nas dezenas pessoas que já por aqui apareceram, se cada uma for o espelho do que veste, o mundo e rico em variedade!

MaryM disse...

Olá Alfaiate ! Sou a Mafalda tenho 16 anos e provavelmente este comment não te é muito interessante (visto que não vou comentar a roupa que ninguém está a usar em algum dos posts) mas queria apenas dizer que admiro o que tu fazes, e a forma como o fazes. E obrigado :)

Mariana disse...

Grandes fotos, acompanhadas de um grande texto!

Na tua foto, também gostei muito das calças. Aliás, ontem trazia umas exactamente da mesma cor e com o mesmo corte! Coincidências...

Continua o óptimo trabalho!

Dulce disse...

Deliciosas linhas a acompanhar não menos deliciosas fotografias :)

PS - quanto aos bólides... que é feito do lancia Y10 verde, zé? :)

Mariana disse...

Bem! =O acabei de conhecer o blog e... wow... Fantásticas, as fotos!

Parabéns!!

Lisboa na ponta dos dedos disse...

no dia em que precisares de andar de carro topo de gama, para reparem na beleza que trazes dentro, o mundo estará perdido querido Zé...

Anónimo disse...

Brutal! Sou louco pelos meus casacos desportivos e sinto o mesmo quando saio com eles! Faz-me sentir com mais estilo! Salut, Girondamo de Murcia

Anónimo disse...

gato, eu faria amor contigo.

Carina Joana disse...

Adoro esse tipo de casacos <3

Carol Godoi disse...

Lindas fotos, maravilha de produção. Um beijo de sua leitora do Brasil!

O senhor dono disse...

vou chumbar a semiótica. fuck

Anónimo disse...

Mas que casaco/sorriso giro! desculpa alfaiate mas tinha que ser.
Continua, precisamos deste "aculturamento" opinativo :)

Anónimo disse...

Que pendantismo...arre!!

Dulce disse...

Este blog transborda qualidade: as fotos, os textos e, claro está, o autor! Mas justiça seja feita também aos comentários dos leitores, que são muito divertidos... Até te pedem em casamento,Zé!! Adorei o post!

Anónimo disse...

estou apaixonada pelo ultimo rapaz!!

Maria Guedes disse...

Zé! Tás um gato ;) Bom kit!!!

Manuela disse...

Tão giro....;)

Manuela disse...

Tão giro....;)