Como em qualquer
projecto há sempre pelo menos duas formas (ou ideais tipo) de levar as coisas.
Por gosto ou até à exaustão. E mesmo que houvesse optado pela segunda seria
difícil que, em nenhuma situação, tivesse experimentado aquela sensação
frustrante de pensar “gostava tanto de fazer esta foto”. Decidi-me pela
primeira das opções o que, se por um lado promove a paixão pelo ofício como o
motor de todo o projecto por outro... abre espaço ao custo de oportunidade. O
irritante custo de pensar em todas as oportunidades que perdi de fotografar
pessoas que gostaria que aqui estivessem. Pessoas que não fotografei porque deliberei
que o projecto me devia servir a mim e não o seu preciso contrario e, naqueles
dias como em tantos outros, havia sentenciado que a minha felicidade não
passava por sair de casa com a máquina na mão. Claro que a equação para a minha
felicidade pessoal mudou radicalmente no momento em que vi a Cristina. Por
sorte, tinha acabado de passar por um casal de namorados a quem tinha expresso
a minha surpresa pelo equipamento que utilizavam para fotografar e, com a lata
do costume, voltei a eles e perguntei: Importam-se que
experimente a vossa lente com a Cristina?
Quem me conhece bem sabe que não me limitei a tirar esta
fotografia. Sabe que subi àquela rocha. Que arranjei alguém que me fotografasse
no seu lugar. Que me fotografasse a mim e ao Ilija juntos, em amena cavaqueira,
a tentar a sorte com os peixes que por ali havia, voltados para o lado albanês
do lago. Na verdade não acho que o Ilija seja velho. Até porque a velhice, pelo
menos até certa idade - qual instinto de sobrevivência - está sempre duas
gerações à nossa frente, longe o suficiente para que nos possamos sentar
descansados sem preocupações de maior. Porque não somos velhos nem novos, somos
apenas o centro do nosso mundo e é com ele por referência que o que quer que
viva ou ocorra neste planeta é alto, baixo, gordo, magro, feliz, triste,
inteligente ou burro, clarividente, obtuso, estupidamente interessante ou
anormalmente aborrecido. E o Ilija, apesar de técnica e cientificamente
possível, dificilmente seria meu avô. E, podendo ele ser meu pai, dificilmente
me referiria a ele como velho. Até porque os velhos, por definição, estão mais
perto da morte e ninguém, tenha 20 ou 60 anos, se sente confortável a pensar na
morte dos pais. E tenho, de facto, uma foto sozinho naquela rocha. E umas quantas
com o Ilija. Por sorte tinha a Amanda perto, uma de quatro australianas com
quem passei quatro dias e quatro noites porque nos conhecemos numa estação de
serviço onde o táxi delas e o meu autocarro haviam cruzado itinerários. E a Amanda é uma fotógrafa do %#&#ª§£. Na verdade, uma fotógrafa de moda do %#&#ª§£. O tipo de pessoa que nos garante uma dúzia de belos retratos para a posterioridade. E realmente, as
fotografias, são a melhor memória para as vivências. E aquilo que eu guardo
deste lago são quatro australianas, com quem depois de ter trocado e-mails num
apeadeiro macedónio, me encontrei mais tarde para jantar e por quem me
apaixonei. Parece um bocado estranho mas foi isso que aconteceu. Apaixonei-me
por aquelas gajas. E com elas permaneci como se, naqueles quatro dias, houvesse
ali uma espécie de irmandade. E uma delas, às vezes, me confidenciava algo
sobre a outra, a mesma outra que umas horas depois me diz qualquer coisa sobre
a “uma delas” do início da frase. E assim, principiava a sentir também que
fazia parte daquele grupo. Que também eu compareceria na inauguração na casa
nova da Karolina, em Melbourne. E acho que, de todas as semanas que passei a
viajar este Verão, os dias que tive com estas gajas foram os mais bonitos que
vivi. A sensação de encontrar alguém que simultaneamente conhecemos tão pouco e
de quem aparentemente gostamos tanto é, talvez pela sua efemeridade, uma das
mais bonitas que já senti. E há um momento bonito. Particularmente bonito. O da
despedida. Momento que não fotografei. Nem a Amanda. Se bem que, para vos ser
bem sincero, gostava de ter essa imagem gravada. Não que a minha figura de
calções de banho, t-shirt pendurada à cintura, chapéu de palha e
sandálias de plástico merecesse aqui pertencer. Ou a das quatro, sentadas ao
pequeno-almoço, a insistirem para me juntar a elas na Grécia. Gostava de ter
esse momento guardado porque sei que estava feliz. Porque deixava um momento
bonito mas suspeitava já que me metia noutro. Num carro com quatro
holandeses com quem fui à boleia até Belgrado e que me pouparam demasiadas
horas de comboio e autocarro. Quatro holandeses que estavam boquiabertos pelos
detalhes que a minha memória havia retido sobre o Euro 88 (a única
competição internacional de selecções que a Holanda ganhou algum dia em
futebol). Quatro holandeses que tinham um concurso devidamente organizado com
256 concorrentes, desde cantoras e actrizes conhecidas de meio mundo, uma ou
outra artista porno, umas quantas celebridades holandesas e até a namorada de
um deles. O concurso que elegeria ali, naquele dia e naquele carro, a “gaja
mais boa do mundo”. Diz-me o Laurens: “José, não leves a mal, não podes
participar nesta eleição porque não conheces as holandesas, não seria justo”.
“Claro que não” respondo, contendo o riso para não beliscar o tom sério
com que o meu novo amigo me comunica tão solene decisão. A minha opinião ficou
registada como o 5º e último factor de desempate mas não consegui gerar lobby
suficiente para evitar que a Mónica Belluci fosse eliminada nos
quartos-de-final. Mas vivi tudo isto há mais de um mês. Por algum motivo achei
que ainda não tinha chegado o dia de escrever o texto sem o qual dificilmente publicaria esta fotografia. Por algum motivo foi preciso meter-me num
comboio em Braga de volta a Lisboa e ter sete senhoras deliciosas (seguramente
mais velhas que o Ilija mas a quem sou incapaz de chamar “velhas”) a meterem-se
comigo para que, quando uma delas se refere a mim como “o senhor” pensar: - %£&#-$@, mas esta velha trata-me por “senhor”?
(afinal sou capaz...) Como se ficasse ofendido, na irracionalidade mais pura,
por uma suposta velha, na sua qualidade de senhora educada, me fazer sentir
menos novo. E aí, pela indelicadeza do meu pensamento, me lembrei do Ilija.
Porque o nome deste post estava já traçado desde o momento que o
fotografei. Lembrei-me do Ilija, da Karolina, da Amanda, da Aneta, da Tash, do
Bas, do Chiel, do Kosse e do Laurens. E de muitos outros também. E pensei. Esta
senhora amorosa a quem acabei de chamar velha lembrou-me de uma outra indelicadeza
que tenho de cometer. A de chamar velho ao Ilija. Aquele senhor simpático que
conheci com as miúdas por quem me apaixonei num jantar à beira-lago. O Ilija, o senhor que estava em Kaneo, o ponto mais bonito do Lago Ohrid, naquela rocha em frente à casa onde nasceu a sua mulher. A sua mulher, aquela senhora
que me havia acenado da janela. A mãe do rapaz que, há dois dias, me
escreveu a pedir as fotos que eu e a Amanda havíamos feito ao seu pai